Desde a Revolução Industrial que a Química e a Tecnologia Química
contribuíram para a produção de bens e serviços de forma massiva, que em muito
contribuíram para o aumento do conforto e bem-estar das sociedades desde então.
Encontramos exemplos disso através da indústria têxtil, nos séculos XVIII e
XIX, após a substituição dos corantes naturais por sintéticos. Também o domínio
teórico e tecnológico de novas moléculas permitiu suprimir carências e
limitações em diversos setores, de onde se destacam a medicina, construção
civil e a agroquímica. Simultaneamente a economia era dinamizava e as novas
soluções eram colocadas à disposição de todos. Na história da própria
Tecnologia Química ficaram marcos como o processo Haber-Bosch, utilizado para a síntese de amoníaco, através da
produção contínua e em grande escala com recurso a catalisadores. Outro setor
com forte expressão desde o século passado até aos dias de hoje corresponde à
produção de polímeros – os quais apresentavam uma combinação notável de
propriedades: plasticidade, não solubilidade, resistência à corrosão e a
ataques biológicos, ofereceram uma variedade inédita de soluções para
construção de edifícios e de utensílios para habitação, lazer, produção
industrial ou desportiva. Por sua vez o petróleo oferecia as moléculas base
para a produção destes polímeros, a refinação deste tornou-se, ao longo do
século passado e mantendo-se no presente, duplamente valiosa: garantia
matéria-prima importante para a indústria de polímeros e, fornecia combustíveis
fósseis que possibilitam a fácil circulação de pessoas e bens neste planeta.
Testemunhada a enorme importância da Química e da Tecnologia Química
no passado e presente, não haverá dúvidas que ambas manterão grande relevância
no futuro. A eminência e a potencialidade de alguns avanços já anunciados como a
próxima geração de telemóvel 5G, novos
equipamentos com maior capacidade na produção e armazenamento de energia
elétrica, a domótica ou a criação das cidades conectadas assentes numa forte
infraestrutura de comunicações entre edifícios, serviços e os setores de
atividade que a compõem, são disso exemplo, os quais não serão concretizados
sem a participação dos químicos e engenheiros químicos.
Nesta brevíssima passagem sobre algumas das mais emblemáticas
vagas de avanço da Química e da Química Industrial, apenas foram destacados os
benefícios daí resultantes. Todavia, não foi mencionado que em alguns desses
casos o desenvolvimento acarretou alguma controvérsia pois, alguns dos setores
de produção referidos (e outros não referidos) foram ou são fonte de emissão de
poluentes, utilizam ou produzem materiais que apresentam alguma toxicidade,
incluindo para os seres humanos, ou ainda, contribuem para o esgotamento de
recursos naturais. Os alertas entretanto surgidos, alguns vindos da própria
comunidade científica, relativamente a esses perigos, têm chamado a atenção da
opinião pública, fazendo-a desconfiar, mas também, promovendo o debate que
permite o seu esclarecimento. Assim, fomos tomando consciência de que no
desenvolvimento da Humanidade, a dimensão humana foi-se sobrepondo à dimensão
ambiental. No presente, a crise ambiental do planeta parece eminente e inevitável.
A biodiversidade está em forte declínio e a perturbação climática está a chegar
a um ponto de não retorno. Foi neste contexto que ainda no final do século
passado surgiu a Química Verde (QV), assente em princípios amplamente divulgados,
a qual pretende discutir e promover processos industriais, no campo da química,
que garantam a
atenuação ou eliminação dos impactos dos processos e produtos que sejam
nefastos para o ambiente, biosfera ou seres humanos. Num presente onde cada vez
mais se reclama o relançamento de uma economia assente numa transição limpa e
ambientalmente sustentável, tornando as sociedades e as pessoas mais
resilientes, a QV parece beneficiar de um contexto fértil à sua aceitação e
propício ao seu desenvolvimento. Contudo podemos olhar numa perspetiva
contrária, a exigência que a QV coloca no sistema produtivo e a mudança a que
obriga, poderá provocar reações negativas vindas do poder instalado e de um
sistema produtivo que, embora dinâmico e adaptável, tem o seu circuito de
produção e abastecimento devidamente estabelecido e, do qual, nem sempre está
disposto a abdicar.
Nuno Matos
Licenciado em Ensino de Física e Química pela Universidade de
Évora
Professor do Agrupamento de Escolas de Montemor-o-Novo
AF@QV 2020
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