Quando
formalmente se inicia o estudo da química
os alunos viveram, no mínimo, onze anos num mundo em que a química está em tudo e permite quase tudo. Não se percebe pois a
razão de quando são chamados a enunciar factos que evidenciem a presença/importância
da química nas suas vidas geralmente fiquem
momentaneamente silenciosos.
Recuando até
ao instante em que o aluno foi gerado, momento que se associa à biologia, como
poderia o processo acontecer se a química
não estivesse lá? Recuando ainda mais, quando os pais planeiam esse filho
enumeram características suas que gostariam de ver no novo ser ou, pelo
contrário pensam com receio, noutras que esperam ansiosamente que não sejam
transmitidas. Também fazem um balanço das suas vivências passadas e questionam
como elas se virão a reflectir no filho. Infelizmente para a alguns, a constatação
de que não existe a combinação perfeita de genes que viabilize a gestação vai
gerar ansiedade que pode mesmo culminar em depressão.
É claro que para adultos algo esclarecidos do
ponto de vista científico, será fácil reconhecer no último parágrafo a relação
entre a química com o processo
gestacional a nível celular; com as etapas do desenvolvimento embrionário; com
os processos tecnológicos de acompanhamento da gravidez; com doenças como a
parkinson; com os comportamentos aditivos; com a gestação medicamente assistida;
com os processos ao nível cerebral que explicam os nosso estados de espírito e
tantas outras relações que não cabem num texto tão pequeno.
Mas voltando
ao aluno de doze anos, que momentaneamente ficou silencioso, é claro que, após
uma dica ou duas dadas pelo professor, o silencio da turma rapidamente se
transforma num turbilhão de factos, perguntas, respostas, ideias, confrontos de
palavras, juízos de valor… se não fosse a campainha, que anuncia o fim da aula,
estaria a turma mais do que pronta para concluir que a química está em todo o lado e que é importantíssima na vida de
todos.
Passado uns
dias a turma volta para a tal aula onde se fala de química. Talvez nesse dia o professor em vez de retomar a questão
inicial da aula anterior (presença/importância da química) opte por colocar o assunto exactamente no extremo oposto: “
imaginemos um dia das nossas vidas sem química”.
Certamente que agora haverá muitos alunos desejosos de participar e cedo
surgirão exemplos precipitados de situações estéreis do ponto de vista químico.
Claro que, depois de vencida a timidez da aula anterior, agora já outros alunos
serão capazes de argumentar e encontrar nesses exemplos ligações mais ou menos
óbvias da presença da tal ciência que afinal está em todo o lado. O professor
neste momento estará feliz, pois os seus alunos já estão a evidenciar processos
associados à construção do conhecimento científico e à formação de cidadãos
esclarecidos capazes de intervir positivamente na sociedade. Cabe-lhe agora não
deixar “que a chama se apague”. Na sua cabeça um turbilhão de metodologias e de
inúmeros recursos disponibilizam-se para as próximas aulas. Atividades
laboratoriais, vídeos, simulações, pesquisas na net, pesquisas em jornais e
muitas outras opções farão a diferença na etapa seguinte. Para uma geração em
que o conhecimento se concretiza maioritariamente através de estímulos visuais
está nas mãos do professor conduzir o que começou de forma simples, numa aula
que só contava com os alunos, o professor, a sala o ambiente circundante, para um caminho desde o infinitamente grande
ao infinitamente pequeno, desde os assuntos que são manchete nos media até aos
assuntos que estão ainda fechados num qualquer laboratório de uma cidade que
ninguém ouviu falar, mas em cuja equipa está um químico, que muito se orgulhará
de poder explicar, por videoconferência, o objectivo do seu trabalho a uma
turma da mesma escola onde o seu interesse pela ciência foi acarinhado e
desenvolvido. No meio de tanta azáfama, o professor encontrará também espaço
para levar os seus alunos a olharem de forma crítica para a história da ciência,
evidenciando não só a importância que os(as) químicos(as) tiveram na melhoria
das condições de vida das populações, mas também os aspectos negativos que
alguns avanços na química originaram. No entanto a História mostra-nos que que
se a química gera um problema, é na química que temos de encontrar a
resposta. Por fim quando estiver quase a concluir que estão cumpridas as
aprendizagens essenciais previstas para a turma, o professor pode calmamente
olhar para os descritores do “perfil do aluno” e perceber que através da tal
“ciência silenciosa” conseguiu criar as condições para que o aluno atingisse as
competências inerentes à sua idade.
Licenciada em Ensino de Física e Química pela
Universidade de Évora
Professora do Quadro do Agrupamento de Escolas Gabriel
Pereira
AF@QV
Sem comentários:
Enviar um comentário