Química entre Nós


Can Etik (13 Anos), Turquia. “Chemistry is Everywhere” em
Chemistry International (IUPAC) Vol. 25 Nov-Dez 2003
A Química é uma Ciência fundamental para o desenvolvimento sustentável do nosso planeta e para o aumento da nossa qualidade de vida, sendo omnipresente em tudo o que nos rodeia.
Desde a origem do Universo foram acontecendo transformações até se chegar ao mundo material de que hoje fazemos parte, constituído basicamente por átomos dispostos e interactuando entre si formando aquilo a que chamamos matéria. Neste minúsculo ponto do Universo a que chamamos “Terra” tudo o que vemos é constituído por átomos. E se vemos é porque existimos e se existimos é porque num tempo longínquo aconteceram reacções químicas fundamentais que promoveram a origem da Vida no nosso planeta.
Nós existimos e vivemos porque as nossas células são autênticas fábricas de transformações químicas que garantem a realização dos inúmeros processos metabólicos necessários à nossa sobrevivência. Para vivermos com a melhor qualidade de vida possível, a Química desempenhou e continua a desempenhar um papel fundamental. Se hoje temos medicamentos que nos curam de enfermidades, melhoram a nossa saúde e nos prolonga a vida, em grande parte o devemos aos Químicos que souberam fazer com que os átomos se juntassem de forma a obter substâncias como os antibióticos, os analgésicos, anti-inflamatórios, anti-depressivos, anti-neoplásicos, além dos anestésicos que permitem intervenções cirúrgicas sem dor, entre outras. Quem não conhece o ácido acetilsalicílico… Não conhece? Está bem, lá estão os químicos a usar palavrões impronunciáveis… E Aspirina ®, diz-lhe alguma coisa? Creio que sim… É apenas o medicamento mais conhecido e consumido em tudo o mundo, com uma produção anual estimada de 50.000 toneladas. Como curiosidade, em 1999 sopraram-se cem velas da sua existência.
Todos os dias cozinhamos (ou alguém cozinha por nós…) para comer. Os actos simples de cozer alimentos, fazer uma maionese para um patê ou bater um ovo para uma guloseima à sobremesa são processos químicos. Se hoje temos alimentos, nomeadamente frutos e vegetais, com relativa abundância o devemos ao uso de adubos sintéticos e à utilização de herbicidas, fungicidas e pesticidas para o combate às pragas na Agricultura. Já a indústria alimentar usa (e, por vezes, abusa) de aditivos alimentares (corantes, conservantes, aromatizantes, intensificadores de sabor, etc.) para manter ou modificar o sabor ou melhorar a aparência dos alimentos que consumimos. Já agora, sabe qual é ácido presente nas bebidas do tipo Cola? É o ácido fosfórico, que além da industria das bebidas se encontra também presente na industria de fertilizantes, farmacêutica, formulação de detergentes, etc.. No aspecto particular da refrigeração e conservação dos alimentos frescos, o frio é essencial. Pois a Química teve também um papel fundamental no desenvolvimento das substâncias que percorrem o circuito de refrigeração dos aparelhos frigoríficos, incluindo equipamentos de ar condicionado que tão úteis são nos apertos de calor no Verão em casa ou no automóvel. Uma Cola fresca, cervejinha ou simplesmente água, já iam, não? E então um vinho? Do Alentejo, porque não? Sabe quantos compostos químicos existem no vinho? Bem mais que as palavras que já leu e que vai ler até ao final deste texto que são responsáveis pelos seus aromas, cor, sabor (doce, salgado, ácido, amargo), sensações tácteis (acidez, fluidez, aspereza, doçura) e térmicas (frio, pseudo-frio ou efervescência, pseudo-calor ou álcool). Note-se que além das sensações agradáveis também há o reverso da medalha surgindo aromas e sabores provocados, nomeadamente, por oxidação, redução, bactérias e fungos (sulfuroso, avinagramento, rolha,…). Ah! E beba com moderação porque o álcool (maioritariamente o etílico) tem as consequências conhecidas no estado de espírito.Partindo do pressuposto que está em condições de conduzir o seu automóvel, já reparou bem nele? Pois ele possui uma série de materiais desenvolvidos à custa da investigação em química (ligas metálicas presentes em inúmeros componentes como o chassis, motor, carroçaria, etc. ), plásticos (policarbonato, acrílico, nylon, polipropileno, PVC, etc. usados, nomeadamente, nos painéis de instrumentos, consolas e luzes), compósitos (fibra de carbono, por exemplo, em carroçaria e travões de disco, além das raquetes de ténis do Nadal e do Federer,…) e cerâmicos (usados como isolantes e em componentes onde é necessária elevada resistência à abrasão e ao calor). E o que dizer das espumas de poliuretano em que nos sentamos comodamente no veículo ou a borracha dos pneus, para já não falar das reacções químicas no motor de combustão ou aquelas que fazem despoletar o airbag que não queremos ver…
Está a ler este texto porque os químicos desenvolveram tintas especiais para impressão em papel, além daquelas que utilizou ou alguém aplicou por si para decorar e proteger as paredes de sua casa. Já que falamos em paredes, o que dizer dos materiais que as constituem? Tijolos, cimento, outras argamassas,… Todo um rol de transformações químicas e investigação feita por Químicos para obter os materiais mais adequados para a Construção Civil.
Enquanto leu este texto, provavelmente atendeu uma chamada de telemóvel. Quantos componentes do aparelho, seja ele de segunda ou terceira geração, foram desenvolvidos tendo por base conhecimentos químicos? Sugestões? Os componentes plásticos e as substâncias presentes no ecrã, por exemplo, que formam os caracteres e imagens que tanto aprecia e que os mostra ou envia a alguém… E o televisor que tem em casa? Agora que estão na moda os Plasma, LCD, LED, foram os químicos (que estudaram e desenvolveram as moléculas presentes nos ecrãs) que com a colaboração de físicos e engenheiros tornaram possível que tivesse à sua disposição estas novas tecnologias. E quando liga o televisor nos canais onde passam inúmeras séries CSI onde está presente a ciência forense, intimamente ligada à Química… Aqui, diversas técnicas de análises químicas, bioquímicas e toxicológicas são utilizadas de forma científica para ajudar a compreender a complexidade dos crimes, sejam assassinatos e roubos, sejam outros processos ilegais, nomeadamente adulterações de produtos.
E a presença em coisas tão prosaicas que já damos por adquiridas como as fibras sintéticas que usamos no nosso vestuário, o teflon que reveste inúmeros utensílios de cozinha para conferir capacidade de anti-aderência, os produtos de limpeza doméstica (sabões, detergentes, lixívia, tira-nódoas, limpeza a seco,…) e pessoais (gel de banho, champôs,…), os perfumes e cosméticos, os combustíveis, a qualidade da água e tratamento de efluentes domésticos e industriais, sem esquecer o papel da Química na arte (cinema, fotografia) e na análise e conservação de monumentos e outro património artístico.
É pois evidente que a Química e o mundo que nos rodeia são indissociáveis. A actividade tecnológica química também envolve riscos como os problemas ambientais que todos conhecemos. Mas não deixa de ser verdade que também é a Química que os ajudará a resolver por implementação de processos químicos e utilização de matérias-primas mais sustentáveis, de que o desenvolvimento de bio-combustíveis é exemplo paradigmático.
Poderia estar aqui a descrever o importante papel da Química em muitas outras áreas e referir as diversas transformações do quotidiano em que a Química está presente. Uma lista exaustiva multiplicaria por milhares o tamanho desta prosa que já vai longa e não quero maçar mais o leitor. Aliás, não sei que tipo de reacção a leitura deste texto lhe causou (indiferença, interesse, sorrisos ou nem por isso…). No entanto saiba que essas reacções são também químicas (ou melhor, bioquímicas) que têm lugar no nosso organismo e que se expressam na sua face. A Química sempre presente em todo lado... Não se andará muito longe da verdade se disser que existe uma (certa) Química entre nós.

Por
Paulo Mendes*

* Prof. Dep. Química da ECTUE e Centro de Química de Évora (CQE)

Publicado no Jornal "Diário do Sul" em 5/1/2011
Disponível no Jornal On-Line da Universidade de Évora (UELine)


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