A cortiça, material nobre e ancestralmente utilizado (3000 anos a.C.), apresenta posição fundamental na economia nacional. A nível mundial Portugal lidera a produção de cortiça, constituindo os produtos directos e indirectos da actividade corticeira uma das principais parcelas da nossa carteira de exportações. Além desta vertente puramente económica (floresta e industria), nunca é demais relembrar a função social e ecológica desta cultura (Montado de Sobreiro). Estas últimas manifestam-se fixando as populações nas zonas rurais e simultaneamente contrariando o avanço da desertificação e assegurando a estabilidade do ecossistema mediterrânico (fauna e flora) e em especial do Montado Alentejano.
Nesta perspectiva tudo o que puder ser feito para alargar o leque de aplicações deste material contribuirá decisivamente para conter a ameaça que paira sobre esta espécie protegida (Sobreiro). Este pequeno apontamento mostra o que está a ser feito neste domínio pelo Departamento de Química e o Centro de Química da Universidade de Évora. Assim, além das tradicionais aplicações da cortiça com as quais nos cruzamos com alguma frequência (essencialmente rolhas e aglomerados de múltiplas aplicações), outras há que têm surgido, provavelmente menos conhecidas, desde novas aplicações na indústria automóvel até fonte de substâncias para a industria farmacêutica, passando por aglomerados rígidos muito próximos em termos de comportamento da madeira, indústria aeroespacial, agente de limpeza, agente aglomerante, acessórios de moda, vestuário, entre muitas outras. Este enorme leque de aplicações resulta da feliz coincidência de num material natural estarem reunidas inúmeras propriedades ímpares, que passam por uma excelente capacidade de isolamento térmico, eléctrico e acústico; uma admirável resposta quando submetida à compressão, à tracção e torção, e finalmente, não menos importante resposta quando em contacto com líquidos. Este comportamento exemplar e extraordinário da cortiça resulta claramente da sua estrutura alveolar tridimensional semelhante à de um favo de mel e à sua composição química [1,2].
Nos nossos laboratórios avançou-se com a utilização dos desperdícios de indústria corticeira e também dos trabalhos de poda e manutenção do sobreiro no campo, para a produção de um material de valor acrescentado, o CARVÃO ACTIVADO [3]. De forma simples trata-se de um material com “propriedades especiais” que permite a sua utilização em inúmeros domínios que implicam a “separação” e/ou a “purificação” tanto de líquidos como de gases, fazendo para isso uso da sua estrutura porosa e simultaneamente das suas características químicas. Do vastíssimo leque de aplicações destes materiais destacam-se as utilizações no domínio industrial, que incluem a recuperação de gases poluentes, armazenamento de gás natural, separação de gases, inclusão em baterias de ião lítio, e não menos importante, a purificação, descoloração e desodorização de líquidos, do ar, de produtos químicos e de alimentos, entre outros [4]. Entre os líquidos merecem destaque a água para consumo humano, as águas residuais e industriais e outras bebidas comerciais [5].
Entre os vários materiais porosos, os carvões activados, pelas suas propriedades e múltiplas aplicações, representam um campo de investigação fundamental, tanto ao nível da sua caracterização como da produção. Os carvões activados preparados a partir dos desperdícios da cortiça foram testados e caracterizados recorrendo tanto a gases (azoto, benzeno) como a líquidos (substâncias cancerígenas), tendo revelado frequentemente uma performance muito interessante, que por várias vezes se situou ao nível do que é oferecido pelos carvões activados comerciais [3].
Esta contribuição vem abrir mais uma janela para um potencial uso dos desperdícios de cortiça, contribuindo assim decisivamente para a valorização e exploração de uma árvore fundamental na agricultura portuguesa, o Sobreiro.
Bibliografia
[1] Gil, L., Cortiça: Produção, tecnologia e Aplicação, INETI, Lisboa (1998).
[2] Fortes, M.A., Rosa, M.E. e Pereira, H., A Cortiça, IST Press, Lisboa (2004).
[3] Mourão, P.A.M., Desenvolvimento de Carvões Activados a partir de Cortiça, Tese de Doutoramento, Universidade de Évora (2005).
[4] Marsh, H., Heintz, E.A. e Rodriguez-Reinoso, F. (Eds.), Introduction to carbon technologies, Universidad de Alicante (1997).
[5] Bansal, R.C., Donnet J.-B. e Stoeckli, F., Active Carbon, Marcel Dekker Inc., New York (1998).
Por
Paulo Mourão*
* Inv. Dep. Química da ECTUE e Centro de Química de Évora (CQE)
Publicado no Jornal "Diário do Sul" em 4/5/2007
Disponível no Jornal On-Line da Universidade de Évora (UELine)
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