A Química vista por ... Laura Charneca

 

A Química vista por…

Laura Charneca, professora na Escola Secundária Gabriel Pereira desde o século passado!

 

Falar de Química, na minha perspetiva, é falar de curiosidade (na escola primária ninguém soube explicar-me como cabiam tantos discos dentro de uma pilha, para que a telefonia transmitisse tamanha diversidade de música…tanta ingenuidade! Mas havia pilhas com discos, mas não de vinil!), de observação (os dentífricos prometiam dentes brancos, mas não acontecia o mesmo com as minhas pernas*…porquê?), de eterna experimentação (repetidamente pedia à minha mãe para me deixar fazer chouriços, mas ela afirmava que as minhas mãos eram muito “quentes” e por isso todos os que eu fizesse se iriam estragar…mas porquê?). Houve sempre tantas questões que ficaram sem resposta…que resolvi procurar a explicação de algumas delas. E por isso, um curso, inicialmente, Licenciatura em Química, na Universidade de Coimbra, e depois, por motivos vários, Licenciatura em Ensino de Física e Química, na Universidade de Évora.

Algumas das dúvidas tiveram resposta durante os 12 anos de aprendizagem antes da licenciatura, mas outras houve que só lá fizerem sentido e foram coerentes, e lá descobri que todos os dias se descobre pelo menos uma coisa, quando se está desperta para o mundo que nos rodeia, uma vez que esse mundo é explicado pela química e pela física (mas não a posso colocar de lado). A química dá-nos o conforto proporcionado pelo ar “fresco” de um aparelho de ar condicionado, mas essa química também gera um maior aumento de gases com efeito de estufa. A química dá-nos o aliviar de uma dor, mas cria desperdícios ao produzir-me esse alívio. A química, como tudo, tem sempre prós e contras, tem apenas de encontrar um ponto de equilíbrio e com ele levantar o Mundo.

Assim, pautei o meu modo de estar no ensino pela explicação dos fenómenos e sempre que possível pela demostração, ou realização pelos alunos, dos mesmos. Sempre procurei organizar/aplicar estratégias de ensino adequadas às necessidades e ritmos de aprendizagem dos alunos, promovendo ambientes de aprendizagem em que predomine uma relação de cooperação, de respeito e de crescimento e, de igual modo, onde o aluno seja sujeito interativo e ativo no processo de construção do seu conhecimento. Apostei imensas vezes no trabalho experimental dando aos alunos espaço e tempo para fazerem, errarem, refazerem e criticarem os vários procedimentos levados a cabo, às vezes deixando um pouco para trás o cumprimento do programa da disciplina emanado pelo ministério. No ciclo em que há exame nacional, 10.º e 11.º anos de escolaridade,  tal não pode ser levado a cabo dado que o programa tem de ser escrupulosamente cumprido pela importância que tem no futuro académico dos alunos, mas no terceiro ciclo, que “visitei” há poucos anos e no 12.º ano na disciplina de Química não vejo por que não o fazer! Em vez de os alunos no 8.º ano terem de decorar as cores que os indicadores tomam quando  em contacto com materiais com características ácidas ou básicas, é muito mais interessante que os mesmos saibam explicar o porquê do vinagre, que é sabido ter comportamento ácido, com um dado indicador apresentar uma  cor que seja a de uma substância básica. Isso sim, é química, é descoberta, é pensar, é interpretar, é magia, que se quebra, com “Isso sai no teste?”. Esta última frase é desoladora…é como tentar contar uma história e o ouvinte querer saber apenas o final…

Por isso, hoje em dia, ensinar química, sem ser “química espetáculo”, tentar  criar uma atmosfera na qual os alunos desejem aprender, incentivando-os a observar, a formar as suas próprias ideias, a participar, a questionar-se, a criticar, a pensar e não “papaguear”, a querer “fazer” e “ser”, incutindo-lhes sentidos de responsabilidade,   de autonomia (trabalho individual/grupo autónomo de simbiose e não parasitismo) e  de respeito pela pessoa humana e pelo ambiente, não se revela tarefa muito fácil.

Por outro lado, a utilização da Química na procura de soluções de sustentabilidade para o desenvolvimento atual e futuro irá exigir novas estruturas conceptuais e novas disponibilidades dos cientistas e de nós, educadores. A Química tem de procurar o diálogo, tem de promover a interação, tem de se conseguir articular com os outros saberes disciplinares no âmbito de uma comunicação alargada que dá coerência ao quotidiano que prepara o futuro.

Precisamos, pois, de ciência, de muita ciência, de boa ciência. A interatividade é a chave da mudança.

*sou morena e à época a moda era ser “branquinha”

 

Laura Charneca

Professora na Escola Secundária Gabriel Pereira em Évora

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