Química e Energia


Química e Energia - Factos e Desafios

Quando o cidadão comum é desafiado a pensar sobre as possíveis relações que existem entre Química e Energia, responde quase invariavelmente de um modo muito contido, usando um número de exemplos muito limitado e uma explicação pouco esclarecida. Entre os exemplos, que valorizam o papel da Química no domínio da Energia, sobressaem a transformação do petróleo nos combustíveis vulgares (gasolina e gasóleo, entre outros) e as pilhas/baterias eléctricas. A energia nuclear também é citada como exemplo. Mas, com conotações mais negativas relativamente à Química, sobretudo no que diz respeito às substâncias químicas “indesejáveis” que estão envolvidas.
De facto, seja pela frequência com que os exemplos anteriores nos envolvem no nosso dia-a-dia, seja pela perspectiva predominantemente utilitária com que são encarados, a maioria de nós tende a fechar-se sobre estas ideias e a menosprezar a importância que a Química teve na génese destes “produtos/tecnologias” de uso diário. O que seria o nosso Mundo energético sem os conhecimentos científico-tecnológicos desenvolvidos pela Química, necessários para transformar o petróleo nos combustíveis que utilizamos no dia-a-dia? Por outro lado, face às necessidades constantes e crescentes de Energia, o que é que a Química pode fazer pelo nosso Mundo, para minimizar os problemas ambientais (poluição e alterações climáticas) que são criados com a utilização desenfreada dos derivados do petróleo (e de outros combustíveis fósseis, como o carvão e o gás natural) e através do uso questionável da energia nuclear? E mais, como é que o nosso Mundo pode satisfazer as suas necessidades energéticas sem combustíveis fósseis ou físseis, com a ajuda da Química?

Estas e outras questões acerca da Energia constituem alguns dos principais desafios da Humanidade, que a Química pode resolver de modo exequível, sustentável, e com segurança, integrando e articulando as suas áreas de especialização, com outras áreas científicas. Vejamos então, alguns dos principais desafios e áreas prioritárias para a Química no contexto da Energia ¾ recursos energéticos, conversão, armazenamento, transporte, eficiência e poupança de energia, e gestão de resíduos.
Uma das áreas da Química com maior relevância no domínio da Energia, e que é transversal a várias áreas do conhecimento científico-tecnológico, é a Química dos Materiais. Nesta área, investigam-se e desenvolvem-se continuamente novos materiais para:
a) Painéis de energia fotovoltaica (que convertem a energia solar em energia eléctrica) ou outras aplicações fotoelectrónicas; b) Operarem a temperaturas muito elevadas, como em reactores de aviões ou em reactores nucleares; c) Eléctrodos e electrólitos em dispositivos de conversão e de armazenamento electroquímico de energia eléctrica (pilhas, baterias, células de combustível e supercondensadores); d) Armazenar com eficiência e segurança, combustíveis (nucleares ou não) ou outras substâncias perigosas; e) Turbinas eólicas terrestres e marítimas, bem como turbinas hídricas (incluindo as turbinas oceânicas de ondas ou marés). Estes materiais devem ser muito resistentes à corrosão atmosférica, do solo ou marítima; f) Supercondutores, os quais transportam a corrente eléctrica de um modo muito mais eficiente que os condutores eléctricos normais e apresentam propriedades magnéticas poderosas, com aplicações importantes nos transportes ferroviários; g) Imobilizar e armazenar o dióxido de carbono (responsável pelo efeito de estufa); h) Janelas inteligentes, iluminação de baixo consumo (OLEDs) e ecrãs de elevada eficiência (TVs com tecnologia LED), de modo a reduzir o consumo de energia eléctrica; i) Aumentar a eficiência energética em edifícios (por exemplo, materiais que sejam bons isoladores térmicos); j) Construção de veículos de transporte terrestre e aéreo (os materiais para estas aplicações devem ser resistentes, mas quanto mais leves melhor); k) Utilização na fusão nuclear (isto é, materiais capazes de suportarem elevados níveis de radiação).
Outras áreas da Química igualmente importantes são a Catálise Química, Química de Fase Gasosa de Alta Temperatura, Radioquímica e Química Radiativa, Química de Imobilização/Mitigação de Resíduos, Electroquímica e Química Analítica, sem desprezar a sua integração importante com a Geologia (a Geoquímica) ou com a Bioquímica, Biotecnologia e outras Biociências.

Através da Catálise Química procura-se: a) O aperfeiçoamento de catalisadores e de processos de separação e conversão, para as tecnologias de processamento de matérias-primas com importância energética (como o crude, o gás natural, o carvão e a biomassa); b) O desenvolvimento de materiais electrocatalíticos e de membranas mais eficientes para células de combustível; c) A concepção de catalisadores e substâncias adsorventes que podem reduzir a emissão de gases nocivos para a atmosfera, como os óxidos de azoto e de enxofre; d) A combinação de catalisadores e foto-condutores, capazes de oxidar a água pela acção da luz (fotooxidação da água) para produzir hidrogénio (um combustível valioso), e a integração destes em sistemas capazes de capturar e converter o dióxido de carbono em metanol (outro combustível). Neste último caso, tanto o hidrogénio como o metanol podem ser utilizados como combustíveis, para a produção de electricidade. Esta área particular de investigação é conhecida por fotossíntese artificial, porque se tenta imitar o que as plantas fazem na natureza, através da utilização da luz solar.
Por intermédio da Química de Fase Gasosa de Alta Temperatura procura-se a investigação de processos químicos a temperaturas extremamente elevadas e a integração das áreas de conhecimento e tecnologia de combustíveis, química de combustão, termodinâmica e cinética de formação de óxidos de azoto e de partículas, no sentido de melhorar a eficiência energética dos processos de combustão, de limitar a produção de poluentes (como o problema particular das emissões de gases e partículas poluentes dos motores a gasóleo) e de aperfeiçoar tecnologias capazes de operar com diferentes combustíveis e co-incineração.
Na Radioquímica e Química Radiativa pesquisam-se materiais e técnicas de separação e de recuperação de substâncias radioquímicas, ao mesmo tempo que se investigam os efeitos da radiação na fadiga, stress e corrosão de materiais usados normalmente em centrais nucleares e novos materiais (como os polímeros), no sentido de encontrar soluções seguras para minimizar o efeito da radiação
A Química de Imobilização/Mitigação de Resíduos por seu lado dedica-se: a) Ao desenvolvimento de processos eficazes de captura e armazenamento de dióxido de carbono; b) À compreensão das propriedades microestruturais de cimentos e betões e seu envelhecimento a longo prazo, utilizados no armazenamento de resíduos de nível intermédio de perigosidade; e c) à investigação de reacções de vitrificação (em que resíduo perigoso pode ser imobilizado em material vítreo. No caso dos resíduos radioactivos de actinídeos (como o urânio e o plutónio) pode escolher-se material vitrificante, com uma química análoga ao material que existe na natureza.
A Electroquímica, uma das áreas da Química mais fortemente ligadas à Energia, de onde resultaram as simples pilhas eléctricas centra-se: a) Na investigação de materiais biocompatíveis, que possuam a capacidade de se comportar como músculos artificiais num ser vivo ou num rôbo; b) Na concepção e aperfeiçoamento de dispositivos de conversão (pilhas/baterias/células de combustível) e de armazenamento (supercondensadores) electroquímico de energia eléctrica; e, c) No desenvolvimento de técnicas de electrodeposição de substâncias radioquímicas, a partir de efluentes radioactivos, no sentido de reduzir a contaminação e de recuperar o material radioactivo. No âmbito da electroquímica e em colaboração com as áreas já referidas, inclui-se também o desenvolvimento de células electroquímicas activadas por luz (células fotoelectroquímicas) para produção, quer de energia eléctrica quer de combustíveis mais limpos (hidrogénio).
A Química Analítica, no domínio das preocupações energéticas, dedica-se sobretudo à concepção e desenvolvimento de técnicas analíticas e de sensores químicos para monitorização e controlo de espécies químicas envolvidas nos processos de extracção, transformação, produção/consumo e armazenamento: de recursos energéticos, de produtos ou sub-produtos e da própria energia.
Entretanto, a Integração da Química com a Bioquímica, Biotecnologia e outras Biociências contribui para outros avanços muito significativos no domínio das preocupações energéticas, tais como a produção e utilização de biocombustíveis como: a) O bioetanol e o biodisel, para a Indústria e Transporte, sem comprometer a produção alimentar e o ambiente; b) O biogás (uma mistura gasosa rica em metano), a partir da degradação química, bacteriana e anaeróbica de resíduos de origem vegetal, animal (o estrume) e da actividade humana (as águas residuais domésticas e as lixeiras); e, c) O biohidrogénio (hidrogénio produzido por parte de microorganismos), através de processos biofotolíticos (fotossintese artificial), fotofermentação e fermentação não luminosa. Outras contribuições importantes são o desenvolvimento da fotossíntese artificial e de fertilizantes adequados para reflorestação massiva (incluindo de plantas geneticamente modificadas), para maximizar a captura do dióxido de carbono da atmosfera.
Finalmente, mas não menos importante, tem-se a contribuição da Geoquímica, que: a) Estuda as interacções físicas e químicas complexas, entre o petróleo bruto, a injecção de fluido substituinte e a matriz rochosa, no sentido de aumentar eficiência dos processos de recuperação de petróleo; b) Estuda soluções para o armazenamento de dióxido de carbono no sub-solo (em jazidas de petróleo e gás já exploradas e em aquíferos salinos); e, c) Releva as contribuições da hidro-geoquímica e rádio-biogeoquímica, no sentido de melhorar a compreensão dos processos de armazenamento de material nuclear.

Referências Bibliográficas
- Chemical Science Priorities for Sustainable Energy Solutions, Royal Society of Chemistry, 2005.
- QUÍMICA E ENERGIA – O Papel das Ciências Químicas na Política Energética Europeia, Boletim da Sociedade Portuguesa de Química 109 (2008) 53-57.
- John R Fanchi, Energy in The 21st Century, 2nd Ed., World Scientific, New Jersey, 2011.
- http://www.shapesense.com/images/blueflames.jpg (Fotografia de chama de fogão). Consulta: 20 de fevereiro de 2012.
- http://en.wikipedia.org/wiki/File:Helios in flight.jpg (Fotografia de avião experimental construído com materiais muito resistentes e leves, com células fotovoltaicas nas asas). Consulta: 20 de fevereiro de 2012.
-http://inhabitat.com/mit-scientists-create-artificial-solar-leaf-that-can-power-homes/photosynthesis1/ (Fotografia de folha natural de uma planta (topo) e folha solar artificial constituída por catalisadores de níquel e cobalto, com capacidade para produzir hidrogénio a partir de água e luz (em baixo)). Consulta: 20 de fevereiro de 2012.



Por
Jorge Teixeira*

* Prof. Dep. Química da ECTUE e Centro de Química de Évora (CQE)

Publicado no Jornal "Registo" em 08/03/2012 (Ed. 197)
Disponível no Jornal On-Line da Universidade de Évora (UELine)

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