Água oxigenada: Mais um exemplo de uma solução química

A água oxigenada, produto de uso corrente no nosso dia-a-dia e de fácil acesso dado que é de venda livre em farmácias, supermercados, etc., não é mais do que uma solução aquosa diluída de peróxido de hidrogénio. Outra vez a Química. Então vamos lá…
A molécula de peróxido de hidrogénio, H2O2, é constituída por dois átomos de oxigénio (O) e dois átomos de hidrogénio (H) conforme se ilustra na figura 1.

Fig.1 Molécula de peróxido de hidrogénio
À temperatura ambiente, quando puro, o peróxido de hidrogénio é um líquido viscoso quase incolor (possui uma leve coloração azul) e apresenta um característico sabor amargo. O peróxido de hidrogénio decompõe-se facilmente produzindo água (no estado líquido) e oxigénio (no estado gasoso), libertando calor, de acordo com a seguinte equação química: H2O2 (aq) = H2O (l) + 1/2 O2 (g). A velocidade de decomposição depende da temperatura, da concentração do peróxido, da presença da luz, do valor de pH e da presença de impurezas e/ou estabilizantes. Geralmente o processo é lento, na ordem dos 0,05% por ano. No entanto, se tiver a água oxigenada há muito tempo em casa, não se admire que a mesma não esteja activa e não possua as propriedades desejadas. Provavelmente já ocorreu a decomposição do peróxido de hidrogénio e o que está dentro do frasco é predominantemente… água!
O peróxido de hidrogénio é facilmente miscível (mistura-se) com água. São estas soluções em água que todos nós conhecemos. Quando se dissolvem 3 gramas de peróxido de hidrogénio em água até se obterem 100 gramas de solução obtêm-se água oxigenada a 3% (m/m). Provavelmente este valor de 3% não lhe é muito familiar, mas talvez já tenha ouvido falar em água oxigenada a 10 volumes. Qual é então a relação entre estes dois números?
A concentração da água oxigenada, expressa em termos de volume, refere-se ao volume de oxigénio que é gerado considerando a decomposição completa do peróxido de hidrogénio, de acordo com a equação referida acima. Por exemplo, a decomposição completa de 1 mililitro de uma solução de peróxido de hidrogénio a 10 volumes, 3% (m/m), produz 10 mililitros de oxigénio no estado gasoso. Analogamente 1 mililitro de uma solução de água oxigenada de concentração 6% (m/m), 20 volumes, libertará 20 mililitros de oxigénio no estado gasoso.
Quais são as possíveis aplicações do peróxido de hidrogénio? São várias…
Quem não conheceu a sua utilização (já em desuso) para branquear o cabelo humano? Geralmente eram usadas soluções diluídas (entre 3% e 8%) misturadas com amónia. A sua capacidade branqueadora é tão eficaz que o peróxido de hidrogénio encontrou larga aplicação na indústria de branqueamento de têxteis, pasta de papel, couro, etc.. Uma solução a 3% é também eficaz para retirar nódoas de sangue fresco na roupa e noutros artigos. Deve ser utilizada antes de passar a roupa por água quente. Água fria e sabão podem ser então, posteriormente, usados para eliminar os vestígios de sangue tratados.
As soluções aquosas de peróxido de hidrogénio pouco concentradas, 3% e 6%, apresentam acção anti-séptica, pelo que têm sido usadas para eliminar microorganismos nocivos existentes nas camadas superficiais ou profundas da pele, nomeadamente em feridas. Esta acção é devida à libertação do oxigénio gasoso resultante da decomposição do peróxido de hidrogénio provocada por uma enzima (as enzimas são um grupo de substâncias orgânicas com actividade celular que têm funções catalisadoras, acelerando reacções químicas que, sem a sua presença, dificilmente aconteceriam) denominada catalase a qual se encontra presente na maioria dos organismos. A remoção da infecção é feita através da acção mecânica do oxigénio libertado, limpando a ferida muitas vezes melhor que soro fisiológico ou outros desinfectantes. Uma outra vantagem é que inibe o sangramento dos pequenos vasos capilares. No entanto, é sabido que também inibe uma cura da ferida de forma mais eficaz pois destrói as células da pele recém-formada. Por exemplo, já reparou que a água oxigenada (principalmente as soluções mais concentradas) torna a pele temporariamente branca. Isto deve-se a uma embolia (obstrução) dos pequenos vasos sanguíneos por debaixo da pele. Por essa razão, tem vindo a ser substituída por outros desinfectantes.
O peróxido de hidrogénio pode ser também usado como pasta de dentes desde que misturado em quantidades adequadas com bicarbonato de sódio e sal. Alguns produtos de limpeza de uso doméstico também possuem peróxido de hidrogénio na sua constituição. Nas campanhas publicitárias fala-se do chamado “oxigénio activo” desses produtos. Sabe de onde vêm o oxigénio? Agora já, da decomposição do peróxido de hidrogénio….
Como poderoso oxidante, pode ser usado também para eliminar odores desagradáveis de origem orgânica. Tem tido, por isso, aplicações ambientais no domínio do tratamento de efluentes domésticos e industriais. Como se verifica libertação de oxigénio, tem a vantagem de restaurar as condições aeróbicas dessas águas.
O peróxido de hidrogénio concentrado encontrou utilização como propelente (substância capaz de efectuar a propulsão de um corpo sólido, por exemplo, um foguete ou projéctil). Pode ser usado tanto como um monopropelente (não misturado com o combustível) ou como componente oxidante de uma mistura com combustível. No primeiro caso, aproveita a reacção química catalisada de decomposição em água e oxigénio, produzindo vapor a mais de 600°C, que é expelido através de um bocal, gerando o impulso necessário. No segundo caso, o peróxido de hidrogénio oxida o combustível gerando energia necessária para a propulsão. Foi muito usado com esta finalidade durante a segunda guerra mundial.
Apesar das inúmeras aplicações benéficas, o peróxido de hidrogénio possui também alguns perigos, em particular quando puro ou em soluções concentradas. Por exemplo, possui perigo de ignição ou explosão acima de determinadas temperaturas, reage violentamente com determinadas substâncias e é corrosivo podendo irritar a pele, mucosas, olhos, etc.. Mesmo a baixas concentrações, não deve ser ingerido pois pode provocar, nomeadamente, irritação da boca, garganta, estômago, dor abdominal, vómitos e diarreia.  
Em resumo mais uma solução química simples e de grande utilidade …

Por
Cristina Galacho* e Paulo Mendes*

* Profs. Dep. Química da ECTUE e Centro de Química de Évora (CQE)

Publicado no Jornal "Diário do Sul" em 18/4/2011
Disponível no Jornal On-Line da Universidade de Évora (UELine)

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